domingo, 6 de novembro de 2011

Soldadinho-do-araripe: Espécie-modelo para a prática da conservação

Ana Carolina Borges Lins e Silva

Durante as últimas décadas, a perda da diversidade biológica atingiu níveis alarmantes, o que fez surgir uma disciplina voltada à manutenção da biodiversidade: a Biologia da Conservação. Multidisciplinar em essência e necessariamente urgente, esta disciplina está hoje incorporada ao currículo de Ciências Biológicas em diversas instituições de ensino, integrando teoria, pesquisa básica e aplicada e políticas públicas que visem a evitar a extinção e manter a diversidade em números estáveis. O lado prático da disciplina requer a escolha de bons modelos de conservação, em diversas escalas biológicas e espaciais. Neste segundo semestre de 2011, como caso prático a ser estudado na disciplina ministrada ao Curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), foi escolhido o Projeto Soldadinho-do-araripe. O objetivo da missão: entender, na prática, as estratégias delineadas para conservação desta espécie, considerada criticamente em perigo de extinção.

Em um dia de visita, a turma formada por 37 alunos e três docentes foi recebida e ciceroneada pelos biólogos Weber Girão e Karina Linhares, executores do projeto sediado na cidade do Crato, CE. Apresentados ao contexto geográfico da Chapada do Araripe, sua dinâmica hidrológica e fitofisionomias, entendemos que o hábitat da espécie é restrito à mata úmida com presença de fontes e córregos. Em seguida, visitamos uma fonte, em área particular de recreação no município do Crato. Nesta área, apesar do espaço visivelmente alterado, o grupo de 40 pessoas pode facilmente visualizar o soldadinho-do-araripe, entender seu status de espécie carismática, além de perceber sua vulnerabilidade. Após a avistagem, seguiu-se uma longa conversa, abordando aspectos desde a genética da espécie, passando pela educação ambiental desenvolvida pelo projeto, até recursos de modelagem de cenários futuros. A conservação se materializou exatamente multidisciplinar, urgente e integradora de teoria, pesquisa básica e aplicada e políticas públicas. Estávamos diante de uma espécie que é, ao mesmo tempo, bandeira, carismática e guarda-chuva. O entusiasmo e o compromisso dos nossos anfitriões, executores do projeto, foram um diferencial a mais nesta visita. Nas palavras de Weber, o compromisso resume-se em: “se eu revelei esta espécie para a ciência, não posso vê-la ser extinta”.

Para a docência da Conservação, podemos categorizar o soldadinho-do-araripe como espécie-modelo ou espécie-síntese, por resumir os preceitos e valores da conservação em diversas escalas biológicas e espaciais. Eu, particularmente, que conheço o projeto desde os seus primórdios e que exerço a docência da conservação, não captava toda a sua dimensão até vir aqui. Se o objetivo da missão foi cumprido? Muito mais que isso. Porque não fomos apresentados às estratégias delineadas para conservação de uma espécie. Trata-se de conservar uma extensa chapada, sua complexa vegetação, mais de 100 fontes de água e a qualidade de vida de uma população de mais de 600.000 habitantes. Entendemos a pluralidade e a singeleza da prática da conservação, pois o soldadinho-do-araripe sintetiza isso tudo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário